segunda-feira, janeiro 28, 2008

Há quanto tempo não lêem Guerra Junqueiro?


Tal como os de Eça de Queirós (1845-1900), também os trabalhos de Guerra Junqueiro (1850-1923) poderiam ter sido escritos hoje em dia, de tal forma continuam actuais.

Pátria (1896) é um ataque à dinastia de Bragança, na figura de D. Carlos. Eis alguns excertos:

"O estado é o rei. Cidadão há um único: D. Carlos. Os deveres são nossos, os direitos, dele. Estrangula-me as ideias, arromba-me a gaveta, ou corta-me o pescoço, conforme o queira. A justiça é um relógio que ele atrasa, adianta ou faz parar, segundo lhe dá na vontade. Decreta a lei e nomeia o juiz. O parlamento é o seu capricho".

"Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonha, feixes de miséria, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia de um coice, pois que já nem com as orelhas é capaz de sacudir as moscas. [...]";

"Um clero português, desmoralizado e materialista, liberal e ateu, cujo Vaticano é o ministério do reino, e cujos bispos e abades não são mais que a tradução em eclesiástico do fura-vidas que governa o distrito ou do fura-vidas que administra o concelho [...]";

"Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não discriminando já o bem do mal, sem palavra, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira à falsificação, da violência ao roubo [...]";

"Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo [...]";

"A Justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara a ponto de fazer dela um saca-rolhas";

"Dois partidos monárquicos, sem ideias, sem planos, sem convicções [...]";

"Instrução miserável, marinha mercante nula, indústria infantil, agricultura rudimentar",

"Um regime económico baseado na inscrição e no Brasil, perda de gente e de capital, autofagia colectiva, organismo vivendo e morrendo do parasitismo de si próprio";

"Liberdade absoluta, neutralizada por uma desigualdade revoltante, o direito garantido virtualmente na lei, posto, de facto, à mercê dum compadrio de batoteiros, sendo vedado, ainda aos mais orgulhosos e mais fortes, abrir caminho nesta porcaria, sem recorrer à influência tirânica e degradante de qualquer dos bandos partidários";

"Uma literatura iconoclasta, – meia dúzia de homens que, no verso e no romance, no panfleto e na história, haviam desmoronado a cambaleante cenografia azul e branca da burguesia de 52 [...]";

"E se a isto juntarmos um pessimismo canceroso e corrosivo, minando as almas, cristalizado já em fórmulas banais e populares [...] teremos em sintético esboço a fisionomia da nacionalidade portuguesa no tempo da morte de D. Luís, cujo reinado de paz podre vem dia a dia supurando em gangrenamentos terciários."

Uau! Tenho que ler a sua obra!

2 comentários:

Fernando Vasconcelos disse...

Não sei porquê mas parece-me que este texto é bastante actual.

Fantasia Musical disse...

Infelizmente, também me parece!